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ARTIGOS ESPECIAIS

Pela descriminalização do professorado
 

São Paulo, 20 de fevereiro de 2009 – Estamos mais uma vez vivendo uma
forte presença pública de parte da mídia e da Secretaria da Educação do
Estado de São Paulo criminalizando o professorado pelas mazelas do
sistema público de ensino. Desta feita, o tema é o chamado “Professor
Nota Zero”. Trata-se da polêmica criada pela secretaria de educação e o
sindicato dos professores, a APEOESP, em função da mudança de critérios
para contração de temporários, não mais pelo tempo de serviço e
titulação, mas sim pelo desempenho em uma prova em que alguns
professores não acertaram nada. A APEOESP entrou na justiça para
garantir a manutenção do critério anterior.

 

Os detalhes desta polêmica não vêm ao caso; o que fica para a sociedade
é a imagem do professorado que tem por responsabilidade ensinar as
crianças e os jovens na escola pública de São Paulo e que não consegue
acertar um item em um teste. Sabemos agora, com clareza, quem é o
responsável pela péssima qualidade do ensino; como cravou o colunista
Gilberto Dimenstein na FSP de domingo, dia 15 de fevereiro: “Pela
primeira vez o país teve uma noção mais precisa sobre a qualidade dos
profissionais que estão em sala de aula”.
Não é de agora que parcelas do setor público e da mídia procuram
incriminar o professorado. Já haviam sido golpeados anteriormente por
estes mesmos setores ao serem chamados de vagabundos e irresponsáveis
em função das inúmeras faltas às aulas por motivos de doença. Anos
antes foram criminalizados por deixarem o alunado sem aulas, como
conseqüência das seguidas greves realizadas ano após ano por melhores
condições de trabalhos.

 

Nos anos noventa, com a entrada em massa da população no ensino
fundamental, a culpa recaía sobre o alunado. A escola pública, ao abrir
suas portas para os pobres, ao se democratizar, “empobrecia” a escola,
pois recebia uma população sem cultura escolar, cujos pais não tinham
freqüentado a escola. A presença destes setores faria cair a qualidade
do ensino, diziam. De qualquer forma, seja o alunado anteriormente,
seja o professorado agora, a culpa, mais uma vez, é da vítima.

Não me alinho aqui à defesa incondicional da categoria do professorado.
Mas não vejo porque temos que colocar toda a responsabilidade pelos
males da péssima qualidade do ensino em suas mãos. É injusto e uma
forma de tirar o foco da responsabilidade do poder público.

 

Vejamos este caso específico onde uma grande quantidade do professorado
conseguiu um desempenho abaixo da média, cerca de 40 por cento e 1.6%
não conseguiu pontuar entre os 240 mil professores. De fato, são dados
críticos. Mas se olharmos este fato de forma mais acurada podemos
perceber a verdadeira dimensão deste problema.

 

Em primeiro lugar é importante conhecer a natureza destas provas,
reconhecidamente mal feitas e com erros, conforme denunciou a APEOESP e
editorial da FSP do dia 11 de fevereiro. Além do mais, todos os estudos
demonstram que processos de avaliação de massa devem servir apenas como
parâmetros gerais por não levarem em conta as especificidades naturais
de grupos sociais e ambientes de trabalho. Para serem justos, devem ser
combinados com avaliações de desempenho em processos no ambiente de
trabalho, auto-avaliações e instrumentos que identifiquem as
dificuldades individuais para melhor poder corrigi-las.

 

A quem podemos imputar culpa nas dificuldades encontradas no desempenho
nestas provas? Todos nós sabemos que houve uma clara desvalorização da
carreira docente realizada pelos órgãos públicos ao longo das duas
últimas décadas. Não foi o professorado que produziu esta situação, ao
contrário, ele procura realizar o seu trabalho de forma honesta mesmo
baixo condições indignas.

 

Quem produz professores e professoras sem condições para o exercício da
sua profissão? Parte vem das universidades públicas, portanto, o mesmo
poder público que critica é o responsável pela formação do professor
criticado. Se não são as universidades públicas são as faculdades
privadas, onde a maioria do professorado é formada. E de quem é a
responsabilidade por fiscalizá-las se não a do mesmo poder público que
hoje criminaliza os professores?

 

O professorado das redes públicas foi formado na mesmo escola pública
onde hoje leciona. Grande parte fez a sua escolarização básica e depois
a sua formação superior ao mesmo tempo em que trabalhava para ganhar a
vida, com todo o sacrifício que representa estudar à noite, dormir
pouco, ter pouco tempo para estudar, com fins de semana cheios de
responsabilidades com afazeres domésticos etc. Apesar disto este
professor consegue o seu diploma, quer exercer o seu ofício, presta
provas e é acusado de ignorante, despreparado, criminalizado por tentar
exercer o direito de trabalhar na profissão que conquistou a duras
penas, pagando caro e de forma honesta. Por que os professores nota
zero não foram ouvidos pela imprensa para saber da sua história de
vida? Por que o professor não tem voz apenas os responsáveis pelos
órgãos públicos e o sindicato? Por que ainda vigora no maior estado do
país a “lei da mordaça” que proíbe professores e professoras de se
comunicarem com a imprensa?

 

Hoje os temporários são 100 mil, 43% dos 230 mil docentes da
rede pública do estado. Por que a secretaria de educação não realiza
concurso, efetiva seus professores, estabelece um programa de formação
em serviço, com avaliação de desempenho e plano de carreira? Por que a
secretaria da educação opta por professores precários que pouco
estímulo tem para permanecer em um local onde trabalha, com baixa
remuneração, em condições difíceis, podendo ser dispensado a qualquer
momento?

 

Mudar a escola pública exige investimentos, exige uma política de
valorização dos trabalhadores e trabalhadoras da educação, exige
motivação e trabalho coletivos, exige respeito à prática do
professorado, pois é só a partir desta prática é que pode ser avaliado
o seu trabalho, podem ser identificados os seus limites e seus valores,
podem ser criadas as condições para um trabalho de equipe e a partir da
unidade escolar.

 

Este é o professorado que temos, e é necessário trabalhar com ele e não
contra ele, descriminalizando-o por todos os males do ensino público.

 

(Sérgio Haddad é economista, doutor em educação, coordenador geral da
Ação Educativa e diretor presidente do Fundo Brasil de Direitos
Humanos).

 

Fonte: 

http://www.gazetamercantil.com.br/GZM_News.aspx?parms=2357336,408,100,1

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